Seja Bem-vindo ou Bem-vinda ao meu Sítio, que é dedicado ao Anjo de Portugal e ao Grémio e Grupo da Filosofia Portuguesa.



DO MINISTÉRIO MENESTREL


«Não se podem algemar as ideias, nem matá-las, tampouco, com tiros de canhão.»

Louise Michel

In memoriam de Ulisses Duarte

Ao António de Macedo, Mestre dos que sabem


I

O jogo é apanágio do jogral, e o troveiro, ou pelotiqueiro, é aquele que vai jogando, e conjugando, as palavras com os sons. Pois tudo está nos sons, e tudo nas palavras… O saltimbanco dá saltos em cima da banca, e o prestígio da Obra é a sua manobra. Nesses jogos malabares, ou malabaristas, o prestidigitador é o mestre das ficções: em propedêutica, ou prognose, o Poeta é fingidor; e, no espectáculo dos espelhos, manipula e é manipresto com os quatro Elementos; seus manipansos, aqui, são ludíbrios vocais, ou melhor, são vocações e os vocábulos. O professor é profeta. E Autor é actor; e menestrel, ou cantor, é o que vive de ilusões. É que o ídolo, feitiço ou imagem, como já vimos, é próprio da «i-mago»; imitação, dessarte, é o Mito e a mentira postos em acção. O espectáculo se vê com as luzes apagadas, e o expectante, ou espectador, ele é, de certo modo, o que sonha ou fabula quando está acordado: se eu sonâmbulo sou, é graças ao funâmbulo; e se irónico sou, é graças ao onírico… Torna o jogral, por isso mesmo, o truão em majestade; diz coisas sérias, e graves, em tom faceto e som jocoso: é tal o destino, ou desatino, do saltimbanco e acrobata. E, nesse ludismo, ou Ludoterapia, as cousas opacas se tornam em espectros, o Sol e «bandulho» se tornam em espelhos: eis a noute contra o dia, a Anarquia contra o régio, e ludíbrio contra o sério; e eis o sonho dos fantasmas, eis, aqui, o mundo às avessas… Aduziremos, então, que o jugo é contra o jogo, a Utopia, contra o «topos»; e trovador, por isso, é grande estorvador: se a marcha militar é denotação, o dançar, o colorir, e falar segundo os tropos, são conúbio das notas e conotação… Se o lunar é da quimera, o lunático é o louco, mas a Lua, simbolicamente, ela rege e dirige o sonho e a infância. E estamos, agora, no imo da canção. Pois Génio poético, seguindo e segundo o bardo Baudelaire, é regresso ou reingresso ao reino da criança; é que é ser, em adulto, o indez e o petiz… Toda a crença quer o querer, e toda a criação – ela exige e dirige a recreação… O Logoterapeuta, ou curador espiritual, há-de ter em atenção a Ludoterapia: se vós tendes um paciente, vós haveis de o assentar a jogar com as metáforas, a jogar com os Mitos, a jogar com a «persona»: se o «simul» é do símil, e diálogo é do «Logos», no cenáculo encenas as tuas imagens: e eis, em Psicanálise, auferido o psicodrama. Numa palavra: a Psicologia, ou a fala das Almas, ela quer e requer a Ludoterapia, ou a fala dos símbolos. «Transforma-se o amador na coisa amada, / Por virtude do muito imaginar»: assim o disse o Camões, que era grande Iniciado… Mas isto é toda a Medicina em verso transposta. É que as imagens mentais, ou formas-pensamento, uma vez alentadas, aliciadas, e alimentadas, transformam-se em acções como, ao mudar a temperatura, o orvalho e vapor de água se mudam em gelo… Que tu escrutes e tu estudes. Existem manipansos; existem, deveras, desenhos animados no mundo da Psique. Se a Matemática é a Musa, há «mimesis», há Matese. O estilete é uma Estrela, e caracteres são do carácter. É que Deus geometriza, e «Guematria» provém do «métier» gramatical. E tudo, neste mundo, é livresca sinfonia… Se a canção quer o escandir, o mensurar e a medida nos é dado por o mental. É que a mente é da Minerva. O homem é aquele que pensa, que pesa ou repesa: se o pensar é pôr o penso na ferida narcísica, a Psicossomática é puro Ocultismo; e mutação, dessarte, é mundificação… Ou melhor: aquilo que está em cima reflecte-se e repete-se naquilo que está em baixo; que a mente manda, a mente anda, e tudo comanda. A «Mensagem», de Pessoa, quer prazer e quer dizer: «mens agitat molem», pois, segundo o Virgílio, a inteligência, ou o Espírito, é que move e domina a massa da matéria: e eis, aqui, a metáfora de auriga, que dirige ou que rege a quadra-quadriga. A missão do grande Mago, ela é una, universal, e comunicante: impor ao público ou povo o seu Mito particular: se a Poesia é Carnaval, e Carnaval é travesti, o Eu obriga o não-Eu, a trovar e através da faculdade imaginal. O Hegel assertou, e Hegel advertiu: nada de grande se faz no mundo sem o «pathos» ou paixão. Pois digamo-lo, então, e o digamos sem rebuço: quando estás apaixonado por uma «persona», ou personagem, ela exerce sobre ti uma forma motora, e uma força motriz; e, se a mente é do metro, essa forma é figura pela qual tu modelas, e plasmas, o vídeo ou vida da tua pessoa… Mitificar, portanto, é simular ou imitar; imaginar, por isso, é como fazer… Há o mundo do ter, e há o mundo do Ser; existe o mentar, resiste o mentir. E tudo são magias, energias, e tudo são metáforas, os Mitos e as mentes… Pois semelhante, agora, atrai o semelhante. E eis, aqui, o Arquétipo e o tipo; e eis, aqui, a vergôntea do modelo. Se a «imago» é pois hipnótica, ou biótica, a imagem é estupor, é estupenda e estupefacta como estupefaciente… Se o meu amigo é qual amente, eu deverei, portanto, adestrá-lo e amestrá-lo, e deverei, no entretanto, mentalizá-lo e alisá-lo… A Sabedoria, para os Hindus, é panaceia ou Pansofia, ela é o récipe e receita, ela é remédio contra a dor – e saberás que eu comento a Logoterapia. É que o «man» é só do «Manas», é que o Mana é do maná. E, se o ícone é fetiche, que as pessoas, elas próprias, elas orem, pois adorem; que as imagens, elas mesmas, se alcandorem ao poder!!!


II

A Pítia ou Pitonisa é a possuída de Apolo, que o Píton matou. Depois de o monstro fenecer trespassado pelas flechas, o Pai de Asclépio enterrou-o no «omphalos», quer dizer, no útero, no «delphús», ou centro do mundo – e nesse umbigo, ou nessa matriz, foram levantados os délficos oráculos… E como Apolo, depois da vitória, tomou a forma dum golfinho ou do «delphinus», se edificou, esse bétilo, no sítio de Delfos. E eis o que escreve o Iniciado Platão: «Este deus, que é o intérprete tradicional da religião, estabeleceu-se no centro e no umbigo da terra, para guiar e proteger o género humano»; por isso a Pítia faz o jus à palavra «profetisa»; é que ela é, para Aristófanes, a «vidente ventríloqua» ou «ventriloqua vates»: para os Antigos, efectivamente, a alma do homem se encontra, ou reside, na boca do estômago, e umbigo era, para os Antigos, o círculo do Sol ou a Luz interior… Ora esse «padma», ou essa Roda, é o Centro do Poder, é o Chakra, digamos, do Plexo Solar – e esse Chakra amarelo, liando-se, dessarte, ao Fogo e ao Sol, está ligado, igualmente, à actividade mental, e o físico senso que lhe responde, ou corresponde, são os olhos, as lampas, e órgãos da visão. Continuando, agora, no acorde e no acordo: o deus Apolo é o Sol; o divo Apolo é, também, o oráculo e a Lira. Se, aquando do seu transe, mascava a Pitonisa as folhas de loureiro, o nosso Febo é fautor quando o Vate é laureado: pois o «phoibus», em grego, é «brilhante» ou «luminoso»… A vitória do Lício, ou do Liceu, é a da razão sobre o instinto, da harmonia sobre as trevas, de apolíneo consciente sobre o Caos inconsciente: ao mundo da embriaguez, do Dioniso ou da «hýbris», opõe-se, aqui, o mundo do sonho, da ordem, da medida: se o híbrido, em arte, é o libertino, transformista ou travesti, o Lício, agora, é a harmonia das esferas… O Liceu é santuário, o bom Pastor protege, ele aparta, e salvaguarda dos lobos; o pegureiro, voltairiano, o pegureiro é o que ama as pécoras e anhos. Fonologicamente, o Apolo ( ou, em dórico, Apelo ), é parente de «apella», e «apella» significa «curral de carneiros»… Vereis que o Sal é o «sel». Vereis que a signa é o signo e a sigla é sigilo… Apolínico, nós vemos, é também o apolónio, que é piano com dous teclados, e Orfeu é descendente de Apolo Musageta. E se o deus Febo é solar, «Napoleon» quer dizer: é o Sol que já canta no signo do Leão… Com apolíneo, se diga, se faz a apologia; foi o Hermes que lhe deu a lírica e Lira: se adivinhar, para os Avitos, é estar próximo dos «Devas», também a diva ou cantora aufere a divindade… E ao ser intérprete, ou hermeneuta, o oráculo de Delfos é «persona», papel e manequim, ele vai contra a noção do indivíduo ou indiviso: a profecia é sonâmbula, a médium está em trânsito, o êxtase e o transe são qual o transir… Se o manticismo é do plectro, isto é, se a mancia sagrada é hieromania, retomemos, fazendo-o nosso, um termo de Babinski: é que sofre, uma Pítia, do «pitiatismo»… Mas Apolo mata o Píton quer dizer: se o Pastor nos dá o pão, e se esmaga, a virginal, a cabeça da serpente, a Luz supina domina, a Luz doma e domestica as forças infernais!!!!!!!!!!!


AMOR MAGISTER EST OPTIMUS


PAULO JORGE BRITO E ABREU


Nota do Autor: este texto, que conhece, agora, o espaço virtual, foi primeiramente publicado, ou publicitado, in «A Ideia 62, Revista Libertária», concernente ao mês de Abril do ano 2006.